Maurício Pacheco Moreira - Arte, poesia e Rock
Faça o que quiser desde que não faça mal a ninguém
Textos
Melancolia Todo Dia
Melancolia todo dia

Acordo, o sol recém nasceu. Ainda sinto o ar fresco e molhado da natureza acordando. Não quero, mas preciso levantar. O despertador já tocou. Bem que podia ser sábado ou outro feriado qualquer. Luto contra essa vontade, desanimado. Lavo o rosto, escovo os dentes, ou o que sobrou deles, com essa epopéia luta contra a rotina. Tomo banho, os pássaros cantam felizes. Quem me dera ser animal ou outra coisa sem obrigações. Alguns ainda dormem. Coloco o mesmo bendito uniforme ou carrego na mochila pra vestir no serviço? Se bem que vestindo agora, não preciso carregar tanto peso. Meu corpo já dói devido a mesma postura ou a falta dela, do mesmo maldito serviço que põe comida na minha velha mesa. Enfim, a mente já voa, apressada. Enquanto tomo o café amargo e o pão com manteiga que ainda resta. Então vejo se não esqueci nada e saio de casa, para a parada. A mesma parada de dois, três anos atrás, um década, um século, talvez um milênio até o ônibus chegar. Um pouco mudada devido a ação do tempo em todas as coisas, histórias pra contar de um ponto fixo no mapa. Dou bom dia, as mesmas pessoas, conhecidas já, mas por poucas palavras, aquele sentimento de pertencimento de grupo. O "grupo" da parada 7. De vez em quando, aparece alguém novo, às vezes pessoas somem. Espero, espero, olho as horas, espero, fumo um cigarro, espero, dou mais um bom dia, até que ouço uma som dele, passa um ônibus que não é o meu com poucas pessoas dentro, espero, até que aparece o camburão palestino, para alguns conhecido como ônibus. Alguns sortudos, os primeiros a subir e sentar nos assentos. Tenho que confessar: é difícil respirar e é impossível não tocar em ninguém. Mochilas, bolsas, trincheiras. Na direção, o velho Walter, senhor com o mesmo objetivo que eu: se alimentar. Provavelmente é o primeiro a acordar para ganhar alguns centavos, como todos ali. Enquanto os donos da empresa ganham sem trabalhar. Outros se escravizam por eles. Velho Walter, senhor já vivido e simpático. De uma simpatia áspera, como apenas alguns são capazes de entender. Enfim, enquanto pensava sobre isso, chegou o meu ponto. Juntos com dois ou três amigos. Chegamos na fantástica empresa que transforma pessoas em engrenagens, que compra nosso tempo e habilidades por um punhado de moedas mensais. Início meu serviço desanimado, mas foco é preciso. Sou uma engrenagem como qualquer outra aqui dentro. Só mudam os papéis e os valores. Se fico doente por muito tempo, logo vem advertência e a ameaça de outra engrenagem me substituir. Meu desempenho é o que mantém meu funcionamento. Seu João, amigo e companheiro de sistema, faleceu mês passado. Logo apareceu uma nova engrenagem luzente a ouro falsificado em seu lugar. Já é hora do almoço. A mesma marmita fria que fiz na noite anterior. Bem que eu queria um almoço novo e quente, daqueles que só alguém com sorte pode ter. Mas já é algo, alimenta. Não devo reclamar de barriga meio cheia, meio vazia. Como as horas voam, quando estamos com amigos. Almocei, mal deu tempo do bucho baixar. Já tivemos que voltar. Bati o ponto. Agora parecia um pouco melhor o ambiente, a pressão pelos números, o compromisso empurrado goela abaixo sem chance de opinar. Conversar com eles e as brincadeiras que fazemos deu um pouco de gás, mortal ou não, ninguém sabe. Companheiros desse sufocante serviço, que toma meu tempo e minhas forças. Coisas que dinheiro nenhum é capaz de recuperar. Mas é por um punhado de moedas e alguns amigos que conquistei nesse lugar, que é preciso continuar. Até que o fim do dia se aproxima, as dores e o cansaço vencem. É hora de ir embora. Livre, mas amputado de qualquer chance de vivenciar algo além, retorno pra casa. Retorno no mesmo ônibus. Suor, aquele cheiro insípido vindo de algum lugar, alguns estudantes, como um dia eu fui também, até que os portões foram fechados e tive que encarar o que chamam de trabalho, vendo no horizonte o que minha altura era capaz de enxergar, sentindo que existia algo há mais, mas não era palpável, pelo menos pra mim. Enquanto isso, outros dormem com os rostos escorados na janela. Lá fora a vida noturna. Olhando pela janela, observando a vida de outras pessoas, como a cena de um filme, nesses poucos momentos que é possível se olhar através do vidro reflexivo, passamos por um bar. Cansados cidadãos sentados em cadeiras de marca de cerveja. Alguns fumando, outros falando, uns jogando na mesa de bilhar, uma máquina de música tocando o popular. Sobre eles, um letreiro escrito com luzes de neon, solitário naquele rua, entre a escuridão e as luzes do lugar, era uma das poucas coisas que pude notar, nitidamente, chamativo e convidativo: "Melancolia Todo Dia" sob a luz do luar.
Maurício Pacheco Moreira
Enviado por Maurício Pacheco Moreira em 04/05/2025
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